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Jurisprudência
Município pode ceder servidor da saúde para entidade particular sem fins lucrativos
É possível, em caráter excepcional, a cessão de servidor público municipal da área da saúde, com ônus para o município, para exercer as funções relativas ao seu cargo efetivo junto a entidade privada sem fins lucrativos, desde que estejam presentes alguns requisitos.
Os requisitos necessários são motivação expressa que demonstre o interesse público e a ausência de prejuízo; formalização mediante celebração de convênio ou outro instrumento equivalente, que regulamente o ato de cooperação; caráter temporário, com prazo certo e definido, previsto no respectivo instrumento de colaboração; e observância à legislação local.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Japurá (Norte do Estado), por meio da qual questionou sobre a legalidade de projeto de lei que autoriza a administração a ceder, com ônus para o município, servidor público municipal da área da saúde para exercer as funções inerentes ao seu cargo efetivo junto a associação hospitalar e maternidade, para reforçar as equipes de tratamento e atendimento aos pacientes da cidade.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica do consulente concluiu pela legalidade do projeto de lei questionado.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que a Corte já possui entendimento consolidado quanto à possibilidade de cessão de servidores municipais para entes da administração direta e indireta quando presentes os requisitos necessários.
A unidade técnica ressaltou que as disposições da Constituição Federal autorizam que instituições privadas atuem de forma complementar no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, destacou que a Constituição do Estado do Paraná permite a cessão de servidores públicos da administração direta ou indireta do Estado a entidade sem fins lucrativos.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) salientou que, a título excepcional, quando houver lei específica, é possível a cessão com ônus para o município de servidor público municipal da área da saúde, com a finalidade de exercer funções inerentes ao seu cargo efetivo junto a entidade privada sem fins lucrativos, desde que estejam presentes os requisitos elencados no Acórdão nº 1582/22 - Tribunal Pleno do TCE-PR.
Legislação e jurisprudência
O artigo 196 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 199 da CF/88 estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. O parágrafo 1º desse artigo expressa que as instituições privadas poderão participar de forma complementar ao SUS, segundo diretrizes deste, mediante contrato de Direito Público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
O artigo 43 da Constituição do Estado do Paraná fixa que é vedada a cessão de servidores públicos da administração direta ou indireta do Estado a empresas ou entidades privadas, salvo, na forma da lei, quando a cessionária for entidade privada sem fins lucrativos.
A Lei Federal nº 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Seu artigo 93 dispõe que o servidor poderá ser cedido para outro órgão ou entidade dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; e em casos previstos em leis específicas.
O parágrafo 1º desse artigo fixa que, na hipótese de cessão para exercício de cargo em comissão ou função de confiança em órgãos ou entidades dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, o ônus da remuneração será do órgão ou entidade cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos.
A Lei nº 6174/70 estabelece o regime jurídico dos funcionários civis do Poder Executivo do Estado do Paraná. O inciso III do artigo 158 dessa lei dispõe que perderá o vencimento ou remuneração do cargo efetivo o funcionário à disposição de outro Poder, ou de órgão público, de administração direta ou indireta, inclusive sociedade de economia mista, da União, ou de qualquer outra unidade da federação, ou designado para servir em qualquer desses órgãos ou entidades, salvo quando se tratar de requisição da Presidência da República ou, a juízo do chefe do Poder Executivo, de interesse do Estado do Paraná.
O Acórdão nº 1582/22 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 276250/21) consolida o entendimento de que a cessão de servidor público municipal pode ocorrer no superior interesse da administração pública direta e indireta, entre as unidades do próprio município e outros entes municipais, estaduais ou federais, da administração direta ou indireta.
Ainda conforme esse acórdão, para que a cessão seja lícita, é necessário que haja motivação expressa do interesse público e da ausência de prejuízo; formalização mediante celebração de convênio ou instrumento equivalente, que regulamente o ato de cooperação; caráter temporário, com prazo certo e definido, previsto no respectivo instrumento de colaboração; e observância à legislação local.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Maurício Requião, lembrou que a cessão de servidor é ato temporário em que um determinado órgão cede a outra esfera de governo ou órgão servidor vinculado ao seu quadro para prestar serviço, visando a colaboração entre as administrações e o interesse da coletividade.
Requião ressaltou que, em regra, o servidor deve prestar serviço ao órgão a que está vinculado, caracterizando a cessão de servidores como medida absolutamente excepcional, que deve estar fundada na consecução do interesse público. Ele destacou o entendimento do Tribunal consolidado por meio do Acórdão nº 1582/22 - Tribunal Pleno.
O conselheiro relembrou as disposições constitucionais para frisar que a mera autorização de que a saúde também seja prestada por particular não desonera o Estado do seu dever de prestá-la diretamente. Assim, concluiu que, sempre que possível, os serviços de saúde devem ser prestados pelo Estado de forma direta.
No entanto, o relator reconheceu as dificuldades vivenciadas pelos administradores públicos municipais, em especial os que comandam municípios de pequeno porte, para ofertar de forma adequada assistência à saúde em seu território. Ele salientou que a falta de interesse dos profissionais da saúde na participação de concursos públicos e processos seletivos, bem como a ausência de recursos para a realização de obras e aquisição de materiais e bens permanentes necessários para a prestação dos serviços, são alguns dos obstáculos usualmente enfrentados.
Porém, Requião afirmou que essa situação não deve ser utilizada pelo administrador público como desculpa para transferir integralmente a prestação dos serviços públicos de saúde à iniciativa privada, ainda que a entidade não possua finalidade lucrativa. Ele destacou que as parcerias celebradas com a iniciativa privada para a prestação da atividade-fim da administração pública devem ocorrer em caráter excepcional e exclusivamente complementar.
Finalmente, o conselheiro ressaltou que, para que possa ocorrer a cessão questionada, é imprescindível que sejam preenchidas as exigências já elencadas no Acórdão nº 1582/22 - Tribunal Pleno do TCE-PR.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 3/24 do Tribunal Pleno, concluída em 29 de fevereiro. O Acórdão nº 499/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 12 de março, na edição nº 3.168 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O processo transitou em julgado em 27 de março.
Serviço
Processo nº: |
716483/22 |
Acórdão nº |
499/24 - Tribunal Pleno |
Assunto: |
Consulta |
Entidade: |
Município de Japurá |
Relator: |
Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva |
Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR
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