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Jurisprudência

Ente com gasto de pessoal próximo do limite prudencial pode realizar concurso

O ente que tenha seus gastos de pessoal em percentual próximo, mas ainda inferior, ao limite prudencial estabelecido pela Lei Complementar (LC) nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) pode realizar concurso público. Nessa situação, também é possível a criação e o aumento de vagas. Isso porque a vedação legal à criação de cargo, emprego ou função, disposta no inciso II do parágrafo único do artigo 22 da LRF, vale somente quando o limite prudencial é excedido.

A lei não veda a abertura de concurso público para a formação de cadastro de reserva, que deve ser também antecedido de estudo de impacto orçamentário e demais exigências próprias do concurso público.

As hipóteses de vacância de cargos devem estar taxativamente previstas no estatuto dos servidores do ente federativo, inclusive em relação aos afastamentos por invalidez ou readaptação. O auxílio por incapacidade temporária - auxílio-doença - não pode caracterizar vacância, em razão do seu caráter transitório.

Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Porecatu (Região Norte). O consulente questionara se seria possível a realização de concurso público, criação e aumento de vagas com os gastos de pessoal próximos do limite prudencial; e se os cargos afastados por invalidez, auxílio-doença ou readaptação poderiam ser considerados como vacâncias.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que não há impedimento para a abertura de concurso público com os gastos próximos do limite prudencial, desde que seja realizado processo administrativo prévio e sejam observados os requisitos da LRF, como a verificação de existência de vagas; a estimativa de impacto orçamentário; e a existência prévia de dotação orçamentária para atender às despesas de pessoal decorrentes das novas nomeações.

A unidade técnica ressaltou que não há vedação legal para a abertura de concurso somente com vagas destinadas a cadastro de reserva. Mas lembrou que, mesmo nesse caso, o cálculo de gastos com a realização do certame e com as futuras despesas que a contratação de pessoal resultará deve ser considerado para o estudo do impacto orçamentário

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) alertou que, mesmo diante da possibilidade de realização de concurso, há várias vedações impostas ao ente que se encontra próximo ao limite prudencial de gastos com pessoal. Assim, concluiu que deve ser efetuada a formulação e a análise do impacto orçamentário decorrente da criação cargos; e as nomeações só poderão ocorrer se o município estiver abaixo do limite prudencial.

O órgão ministerial explicou que o auxílio-doença, atualmente conhecido como auxílio por incapacidade temporária, é um benefício devido àquele que tenha se afastado momentaneamente do exercício de suas funções em decorrência de doença ou acidente por mais de 15 dias, comprovado por perícia médica. Assim, destacou que, em razão da provisoriedade, não há nesse caso vacância no cargo.

 

Legislação e jurisprudência

O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. 

O artigo 169 da Constituição Federal estabelece que a despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar. 

O artigo 16 da LRF expressa que a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; e de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a Lei Orçamentária Anual e compatibilidade com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O artigo seguinte (17) fixa que se considera obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.     

O parágrafo 1º do artigo 17 dispõe que os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do artigo 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.     

O parágrafo 2º desse artigo estabelece que, para efeito do atendimento do parágrafo 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no parágrafo 1º do artigo 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa. 

O artigo 19 da LRF expressa que, para os fins do disposto no artigo 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da federação, não poderá exceder os percentuais da Receita Corrente Líquida (RCL) de 50% na União e de 60% nos estados e municípios.

A LRF fixa (artigo 20, inciso III, alíneas "a" e "b") o limite de 54% da RCL para os gastos com pessoal do Poder Executivo municipal; e que a verificação do cumprimento do limite será realizada ao final de cada quadrimestre.

Para o município que ultrapassa 95% do limite, é vedado (parágrafo único do artigo 22 da LRF): concessão de vantagens, aumentos, reajuste ou adequações de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do artigo 37 da Constituição; criação de cargo, emprego ou função; alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal, ressalvada reposição de aposentadoria ou falecimento de servidores nas áreas de educação, saúde e segurança; e contratação de hora extra, ressalvadas exceções constitucionais.

Nos municípios onde ocorre a extrapolação do limite, a Constituição Federal estabelece (parágrafos 3º e 4º do artigo 169) que o poder Executivo deverá reduzir em, pelo menos, 20% os gastos com comissionados e funções de confiança. Caso não seja suficiente para voltar ao limite, o município deverá exonerar os servidores não estáveis. Se, ainda assim, persistir a extrapolação, servidores estáveis deverão ser exonerados. Neste caso, o gestor terá dois quadrimestres para eliminar o excedente, sendo um terço no primeiro, adotando as medidas constitucionais.

Caso o excedente não seja eliminado no prazo legal, o município não poderá (parágrafo 3º do artigo 23 da LRF), enquanto durar o excesso, receber transferências voluntárias; obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; e nem contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, acompanhou os posicionamentos da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que o artigo 169 da Constituição Federal determina que a despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar; e que os limites foram fixados pela LRF.

O conselheiro ressaltou que no âmbito municipal, a LRF impôs um limite global para despesas com pessoal de 60% da RCL, tendo o Poder Executivo o limite de 54%; e impôs um limite chamado prudencial, que determina a obrigação do município de se ater ao cumprimento do limite de 95% do valor global ao final de cada quadrimestre, sob pena de lhe recair diversas proibições.

O relator afirmou que a proximidade dos gastos de pessoal com o limite prudencial por si só não impede a realização do concurso público, pois ele é o procedimento que antecede a admissão de pessoal. Porém, ele alertou que o provimento dos aprovados aos cargos somente será permitido caso a administração pública esteja com seu limite de gastos abaixo do prudencial.

Bonilha explicou que, de acordo com as disposições do parágrafo único do artigo 22 da LRF, se a despesa total com pessoal exceder 95% do limite estabelecido nos artigos 19 e 20 dessa lei complementar, o ente estará impedido de criar cargos, empregos ou função. Mas salientou que a vedação legal não existirá se o percentual for inferior 95%.

O conselheiro destacou o princípio constitucional do acesso ao serviço público mediante concurso, previsto no artigo 37, II, da Constituição da República. Ele frisou que a realização de concurso público exige planejamento estatal com prévio processo administrativo, devidamente instruído, com os requisitos de existência de vagas previstas em lei; da apuração da real necessidade de contratação de novos servidores para suprir demanda pública; do estudo de demonstrativo de estimativa de impacto financeiro no exercício em que se inicia o gasto e nos dois anos subsequentes; e da demonstração da origem dos recursos para o custeio.

O relator ressaltou, ainda, que não há impedimento para a realização de concurso público para a formação de cadastro de reserva; mas que a exigência de estimativa de impacto orçamentário também vale nesse caso, pois ela é própria de qualquer concurso público, independentemente da disponibilidade de vagas, a realização do certame exige os mesmos estudos e requisitos prévios.

Finalmente, Bonilha explicou que, no Direito Administrativo, a vacância é o ato administrativo pelo qual o servidor é destituído do cargo, emprego ou função; e decorre da exoneração, demissão, aposentadoria ou falecimento do servidor, por exemplo. Assim, ele concluiu que as hipóteses de vacância do cargo devem estar taxativamente previstas no estatuto dos servidores do ente federativo, não podendo o auxílio por incapacidade temporária - auxílio-doença - integrá-lo, por seu caráter transitório.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão Ordinária nº 22/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada presencialmente em 10 de julho. O Acórdão nº 1923/24 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 25 de julho, na edição nº 3.258 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 5 de agosto.

 

Serviço

Processo :

250275/23

Acórdão nº

1923/24 - Tribunal Pleno

Assunto:

Consulta

Entidade:

Município de Porecatu

Relator:

Conselheiro Ivan Lelis Bonilha

 

Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR